O Botafogo eliminou o São Paulo para avançar às semifinais da Libertadores, com todos os méritos e de forma indiscutível, mas sofrendo muito. E assim, com todos os méritos e de forma indiscutível, mas sofrendo muito, também já havia eliminado o Palmeiras, nas oitavas de final. Pode parecer estranho que a esquadra botafoguense, hoje um time superior aos rivais paulistas, tenha precisado de tanta angústia para seguir avançando no torneio continental e conquistar uma vaga entre os quatro melhores após 51 anos.
Há alguns motivos para que assim venha acontecendo. O primeiro e mais óbvio é que a Libertadores é um torneio que faz brotar empenho físico e mental em doses tão cavalares que uma eventual superioridade técnica pode ser questionada nos momentos mais decisivos — aí está o tetracampeão Estudiantes de La Plata para nos desenhar a equação no quadro negro. E vejamos o São Paulo, que ontem, quando atacava, precisava de uma usina Itaipu para acender um palito de fósforo e arrancava os próprios sisos para conseguir ingressar com os dois pés na área botafoguense. Inferior, o time de Luis Zubeldía moveu montanhas para conseguir fazer frente ao Botafogo e levar a disputa até os penais.
A expectativa de que o Botafogo poderia avançar com relativa tranquilidade é motivada pelo desempenho da própria equipe de Artur Jorge — tanto ontem quanto no jogo de ida, no estádio Nilton Santos, os alvinegros tiveram um primeiro tempo avassalador. Na primeira partida, a eliminatória já poderia ter sido resolvida nos 45 minutos iniciais. E ontem a hierarquia técnica e anímica foi ainda mais impressionante, pelas circunstâncias apresentadas. Em um cenário espetacular, em um dos estádios mais emblemáticos das noites de Libertadores, o Botafogo simplesmente dobrou o São Paulo e colocou no bolso, enquanto dissipava a atmosfera do Morumbi com um assopro.
Esse assopro podia ser uma brisa correndo junto com Savarino, o homem conhece todos os caminhos, ou o movimento da mão espalmada de John, que sozinha parecia suficiente para segurar o tricampeão São Paulo. O primeiro tempo perfeito deu espaço a uma segunda etapa de incerteza. Porque o São Paulo obviamente mostraria sua força dentro de casa, mesmo que para isso precisasse rolar a pedra morro acima. E tanto rolou que encontrou o gol de Calleri, quando os botafoguenses já desarmavam o espírito. “O Botafogo tem todas as condições de seguir vivo na Libertadores; o botafoguense, talvez não tenha”, comentou esses dias um gaiato cuja identidade agora me escapa, certamente pós-graduado em botafoguismo.
Com este Botafogo, as tradicionais sentenças galhofeiras têm seu sentido subvertido. É uma equipe que joga e sobrevive. E depois joga e sobrevive novamente. Alterna momentos de indiscutível dominância com provas do mais abnegado heroísmo — combinação típica dos candidatos a conquistar a Libertadores. Em todos os momentos, impávido como Thiago Almada cobrando o pênalti do qual tudo dependia. Quando o mundo ameaçava desabar, dedilhando uma milonga em meio ao apocalipse, ele colocou na gaveta. Como se o Morumbi fosse a garagem de casa, a goleira pintada na parede com giz. Como se tivesse certeza que o Morumbi era apenas a metade do caminho.
